© Tord Boontje para Artecnica |
Se a figura do "demônio" tem alguma sombra de verdade além da metafórica, tenho certeza de que ela se manifesta não em criaturinhas místicas com chifres, rabos e tridentes, mas em seres humanos de carne e osso.
Certas pessoas são verdadeiras representantes do Mal na Terra e parecem ter vindo ao mundo apenas para vampirizar, espezinhar e levar à desgraça qualquer pobre coitado que tenha o infortúnio de atravessar seu caminho. É gente vazia de identidade, que suga sem retribuir, que desconhece o significado da caridade e da tolerância, que julga outrém sem atentar para o próprio telhado de vidro e que não descansa enquanto não consegue fazer em pedacinhos microscópicos tudo o que haja de bom, digno e decente à sua volta.
Infelizmente, tive o desprazer de conviver com uma dessas pessoas, que se fazia de amiga, durante um bom tempo e, por pura inocência e boa vontade, demorei a perceber (ou a admitir) sua verdadeira face. Me livrei (não sem algumas feridas que deixaram cicatrizes), mas o Mal tem longos tentáculos e os efeitos nefastos desse arremedo de ser "vivo" afetam-me até hoje.
Essa pessoa desprezível causou-me perdas nos níveis afetivo e social, além de ter prejudicado pessoas que amo, mas o pior, creio, foi ter conseguido trazer à tona aquilo que tenho de mais torpe em mim mesma – porque alcançou sucesso em fazer-me querer mal a alguém e desejar a sua infelicidade.
Confesso que, de quando em vez, sofro de "espasmos" de crueldade durante os quais imagino como seria bom não ser gente de bem, e permitir-me retribuir com toda a força e conhecimento de causa de que sou capaz. Nesses momentos fulgidios, pergunto-me qual seria o gosto da vingança e imagino a supresa da criatura ao perceber que seu "poder" não é infinito e que sua máscara, construída de cera e plumas tal qual as asas de Ícaro, também derrete sob o calor do Sol.
Mas, não... Nunca me rebaixarei à tanto. A minha dignidade, ninguém jamais tomará.
Então percebo que a vitória, no final das contas, pertence a mim. Porque as cicatrizes atenuarão, minha vida seguirá em frente e o mal que me foi causado, mais breve do que tardiamente, tornar-se-há mera lembrança daquela "fase" ruim que, apesar das lágrimas, tornou-me um indivíduo melhor.
E a grande ironia, talvez prova de uma "justiça maior" (ou, quiçá, da fúria das eríneas), é que meu algoz, desgraçado que é, está fadado a viver na miserável companhia de si mesmo pelo resto de seus dias.