segunda-feira, 18 de maio de 2009

 Usou, joga fora!

Tenho uma prima que mora no mesmo prédio que eu. Há uns 15 dias, sua máquina de lavar quebrou. Era uma Brastemp das antigas, já com uns dez anos de uso e um tanto enferrujada em alguns pontos, mas só não foi para o conserto porque trocar a peça quebrada custaria a metade do preço de uma máquina nova.

A máquina velhusca, mas ainda potencialmente funcional, foi para o ferro-velho, trocada por um modelo de painel eletrônico que certamente apresentará defeito em menos de dois anos.

Esse acontecimento tão trivial me colocou em um estado reflexivo. Me parece que, em um Mundo no qual a escassez de matéria-prima começa a se tornar crônica, economizar deveria ser regra; contudo, nossa cultura, cada vez mais, privilegia o descartável.

Há não muito mais do que 20 anos, a grande maioria dos produtos ainda era projetada para durar. Tive uma televisão 42" de tubo – um dos primeiros modelos no tamanho vendidos no Brasil – que custou uma pequena fortuna e funcionou por quase 15 anos. Era um elefante branco que ocupava a metade da minha sala, mas eu ainda a teria usado de bom grado, por mais algum tempo, se a Sony não tivesse parado de oferecer peças para reposição. Vi-me obrigada a substituí-la por um modelo LCD.

Disseram-me que, no Japão, as novas tecnologias são lançadas em tal velocidade que é possível "resgatar" eletrodomésticos e eletro-eletrônicos semi-novos do lixo. Não consigo deixar de sentir que deve haver alguma triste revelação cósmica misteriosamente escondida no fato disso acontecer exatamente em um país que passou pelo horror e a penúria resultantes da explosão de duas bombas atômicas.

O que mais me assusta é que estamos estendendo esse culto ao descartável também às nossas relações pessoais. Hoje em dia, jogamos gente fora com a mesma facilidade com que nos livramos das latinhas de cerveja vazias da festa oferecida ontem. Esquecemo-nos de que o alumínio das latas é reciclável, mas os sentimentos alheios, não.

A cada dia que passa, venho me sentindo mais e mais antiquada, porque não consigo aderir à "moda" de pensar em gente como coisa facilmente substituível. A vida pode, até, me impor o afastamento de pessoas que me são queridas e tornar nossos contatos muito esporádicos ou mesmo impossíveis, mas isso em nada modifica a intensidade de meu sentimento por elas.

Ser assim, por um lado, é uma dádiva, pois sou capaz de retomar amizades há muito interompidas como se o hiato de 10, 15 ou mesmo 20 anos fosse totalmente irrelevante. Mas toda dádiva também tem seu lado de maldição: perder um amigo, para mim, é uma experiência quase insuportável porque, mesmo que faça amigos novos, eles nunca ocupam o mesmo espaço de quem se foi. Meu coração sempre dá um jeito de abrir um lugarzinho a mais para quem está chegando, mas os nichos que se encontravam antes ocupados, e foram abandonados, são tomados pelo vazio.

Perdoem-me o surto de melancolia, mas ninguém sustenta por muito tempo um coração que mais parece um queijo suíço. Eu, simplesmente, me cansei de ser usada e jogada fora.

Quero acreditar que, por aí, ainda há outras almas tão ultrapassadas quanto a minha e que, um dia, nos encontraremos. Porque uma única amizade já meio amarelada, mas profunda e realmente sincera e incondicional, vale muito mais do que mil seguidores no Twitter.

Fuças do mesmo bando!



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9 comentários:

simone disse...

gostei do texto é seu?
bjs

Pat Ferret disse...

Tudo o que tiver o tag Reflexões saiu da minha cachola. ;-)

Thamires Lacerda disse...

Olá, Pat!

Cheguei até aqui pelo orkut, mas precisamente pela OV. primeiro vim curiar a adaptação de Aviso para quem visitar minha casa. Adorei o texto e continuei passeando pelo seu mundo.
Encontrei este post abaixo, denominado Hoje eu Resagtei um Humano, achei linda a tua adaptação e "folgadamente" copiei e colei numa comu que sou moderadora. De Basset Hounds.
Depois se puder ir lá só pra dizer um oizinho ficaria feliz.
E parabéns pelos textos.

Sempre passarei por aqui.

Ah! o link da comu é este aqui: http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=8254907

beijos e Lambidas de orelhudos...

Pat Ferret disse...

Olá! Seja bem-vinda! :-)

Lilly disse...

Pois é, Pat. Fiz vários posts melancólicos ontem. Amor, amizade, hoje em dia é tudo descartável mesmo. É assim que me sinto também.
bjs.

Cacau! disse...

Ei, ei, ei! Tô aqui! Amarelada pelo tempo, meio gasta, mas inoxidável!O amor que construímos é sólido, fincado nos nossos mais verdes anos. No, woman, no cry! Tem gente legal por aí... Eu sou legal, rs... E vcs são super. Tô animada hj, sei lá pq. Deve ser pq a pequena me colocou no ar desde as três da manhã... Excesso de café na veia faz isso.

Pat Ferret disse...

Rsrsrs... A mulé voltou com a corda toda!

A gente tava com saudades, sabe? ;-)

Lilly disse...

hehehe... Cacau, vc é a otimista do grupo. Estávamos precisando mesmo de vc...
bjão.

Beth Blue disse...

O que mais me assusta é que estamos estendendo esse culto ao descartável também às nossas relações pessoais. Hoje em dia, jogamos gente fora com a mesma facilidade com que nos livramos das latinhas de cerveja vazias da festa oferecida ontem. Esquecemo-nos de que o alumínio das latas é reciclável, mas os sentimentos alheios, não.

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Este texto poderia ter sido escrito por mim...o que significa que também sou uma alma ultrapassada, né? Sai do orkut exatamente por isso, cansei de ver gente colecionando amigos como quem coleciona figurinhas. Pra depois jogar fora como se fosse uma latinha de cerveja vazia!

Amizade de verdade a gente conta nos dedos de uma mão. Eu mesma sempre preferi qualidade a quantidade. E tenho a sorte de ter três amizades amareladas pelo tempo...nao há coisa melhor do que uma velha amizade que já resistiu as provas do tempo e da distancia.

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