domingo, 1 de março de 2009

 Um caso de exorcismo entomológico

Esta é Bastet, em raro momento zen budista.


Baseado em uma história real

Capítulo 1


Sábado à noite, calor excruciante. Depois do terceiro banho gelado do dia, toda perfumada e já trajada para dormir, decido ir à cozinha pegar um copo d'água. Da área de serviço, muito faceira, vem a gatinha mais nova, Bastet, trazendo uma coisa escura entre os dentes, logo depositada aos meus pés em sinal de reverência amorosa.


Era uma barata.

Das polpudas.

E bem viva.


Eu imaginava que, depois de minha recente desventura com essas "bolas-fora" da Criação, o Universo me daria alguma trégua. Mas, não: meus encontros com baratas precisam sempre ser embates traumáticos, dignos de um filme da série Alien. É como se minha entomofobia, seguindo a Lei de Murphy, agisse como um imã de situações cada vez mais esdrúxulas envolvendo essas criaturas*.

* E ainda há um agravante: a presença de felinos na casa, mui estapafuridamente, parece funcionar como um fator extraordinário de atração de animais invertebrados com tendências suicidas, porque percebi um considerável aumento no número de baratas, moscas varejeiras e outros artrópodes a invadirem minha residência, desde que resolvi entrar para o mundo da gatofilia.

Não havia qualquer motivo para que as coisas fugissem à regra, nessa ocasião.


O lado positivo de seguidas experiências com baratas* é que as sinapses que determinam o grau de histrionismo de nossas reações, em sua presença, são anestesiadas pela repetição. Depois do terceiro ou quarto duelo com uma dessas aberrações da Natureza, o pânico até vem (porque ele sempre vem, quando há baratas envolvidas), mas é precedido por ações mais lógicas do que simplesmente gritar e subir na primeira cadeira à mão.

* Só para tentar enxergar o lado cheio do copo.

Dessa vez, eu imediatamente agarrei a gatinha e, tirando proveito de minha cozinha americana, a atirei (literalmente) na sala, numa tentativa de evitar que a barata, até então ainda inteira, embora já meio perneta, se tornasse uma metade bem diante dos meus olhos.


A felina achou que eu estava brincando e voltou pra cozinha, toda saltitante.

A cena que se seguiu foi análoga a um daqueles momentos de replay na transmissão de jogos de futebol pela televisão, comigo capturando e defenestrando a gata na sala mais umas 5 vezes, antes de resolver trancá-la no banheiro. Enquanto isso, a barata, vendo na atenção que eu dava à gata io-io uma chance de permanecer com as pernas que ainda lhe restavam*, correu, de fininho, para debaixo da geladeira.

* Nota: baratas pernetas não mancam nem perdem velocidade de fuga.

Eis uma lição para o leitor: depois que uma barata se refugia sob um objeto de mobília pesado como uma geladeira, nada a tira de lá. Não adianta batucar, tentar fazer barulhos assustadores ou empestear o ambiente com algum spray de cheiro forte (eu tentei Lysoform, que sempre consegue me expulsar para algum outro cômodo da casa). A única forma de desentocar a bicharoca é arrastar o móvel, torcendo pra que ela não perceba o que você está fazendo e tente achar outro esconderijo na mesma direção dos seus pés.

A minha barata (a essa altura, já estávamos um tanto íntimas) conseguiu pensar em um lugar ainda mais bacana para se aboletar: o vão entre o batente da saída de serviço e a parede.

Fiquei ali parada uns bons minutos, esperando para ver se ela, pelo menos, colocaria a cabecinha de fora para me dar "Boa noite!", mas nada. Então, só me restou dar de ombros. Aproveitei que havia tido o trabalho de mover a geladeira para limpar o espaço por ela ocupado no chão da cozinha*, a empurrei de volta para o lugar e fui tomar outro banho gelado, antes de ir dormir no paraíso refrigerado do meu quarto.

* Que – nota para um futuro próximo – vem sendo convenientemente negligenciado pela minha faxineira.


Minhas orações nessa noite, claro, foram para que a monstrinha de 5 pernas desse um jeitinho de escapulir à fúria caçadora dos meus gatos, durante a madrugada, e desaparecesse para nunca mais voltar.



Capítulo 2 (e a saga continua!)

Quatro da manhã. Meu sexto sentido* começa a tilintar como louco e eu acordo, num sobressalto. Lembro-me de minha "visitante" e resolvo checar a cozinha.

*
Como o "sentido de aranha" de Peter Parker, ele sempre acusa situações de perigo: geralmente, quando um de meus bichos está "aprontando".

Encontro Bastet – que passou a noite
toda demonstrando suas qualidades de predadora nata, de tocaia em frente à geladeira – em momento de puro êxtase felino, a dar patadinhas divertidas na mocoronga, agora com ainda menos pernas e já meio estrebuchante. A burralda, em vez de deixar o apartamento pela saída de serviço, resolvera desafiar a morte uma última vez.

Não se pode negar que era um inseto de coragem. Ou muito insano.

Fui tomada de uma audacidade e uma sanha assassina incomuns para meu temperamento amante de animais e fiz uma coisa cujo mero conceito sempre me enojou profundamente: dei-lhe uma boa d'uma chinelada e acabei com seu sofrimento de vez, enviando sua alma para um lugar melhor (isso, obviamente, depende muito do ponto de vista).

O exorcismo dessa infeliz barata foi desvirginizante para mim pois, até então, eu nunca havia recorrido a esse tão usual método de eliminação de pragas domésticas. A distância entre a ponta de um chinelo e minha mão, simplesmente, sempre me pareceu muito curta para ser suficientemente segura...

Foi mais um passo na eliminação de uma fobia que vem me atormentando por toda a vida!
*

* É uma questão tão intensa que, quanto me separei, um de meus questionamentos mais imediatos foi: "E agora, quem mata as baratas?"

Pobre baratinha! Ao menos, tu viestes ao mundo para servir a um propósito nobre. Jamais sairás de minhas recordações!...


Epílogo

Bastet protestou veementemente quando limpei suas patinhas com Baby Wipes. Nenhum gato subirá na minha cama com "pés de barata", não senhora!

Uma vermifugação coletiva já está nos planos para a semana.

Fuças do mesmo bando!



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3 comentários:

Anônimo disse...

muito boooooooooooooooooom, rolei de rir
tenho pavoooooooooooooooor a baratas e não mato a chinelada d jeito nenhum... sempre tenho um spray do lado da cama, desde q um verão entrou uma voando pela janela... traumatizei...
eu queria ir pra terra encantada onde as trakinas dao em árvores e não exista baratas :D

bjoks, boa semana

Lilly disse...

Pat,
chorei de rir aqui... imaginei a sua cara de nojo e a gata toda feliz! kkkkkkkkk
Eu sempre tenho nojo de dar chinelada por causa dos "sucos" que ficam depois... isso aí é infinitamente pior do que a própria barata em si. Socorro, lembrei agora e fiquei com nojo...
Bjs!

Anônimo disse...

Oi, Patinha!
Compreendo perfeitamente esse terror...
Já peguei por 2 vezes, baratas em cima de mim quando estava dormindo... e joguei-as em cima da minha irmã (mas eu estava dormindo!!!).
E, detalhe, eu saio correndo quando escuto uma!
É um sofrimento esse verão...
Bjs

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