Ana* é uma criatura "espaçosa". Padece de uma necessidade visceral de escarafunchar cada mínimo detalhe da vida de quem a cerca e, quando percebe que algo lhe escapou ao conhecimento, não descansa enquanto não o descobre (mesmo que por meios indiretos, isto é: através de fofoca). Mas isso não é o bastante: ela também precisa divulgar o que descobriu e lhe contará tu-di-nho tin-tin por tin-tin, mesmo que você não faça a menor idéia de quem é a pessoa sobre a qual ela está falando.
Ana tem uma "boca" enorme. Fazer-lhe uma confidência é garantia de divulgação quase instantânea, via satélite, para a metade da torcida do Flamengo (justamente a metade que nunca deveria saber a respeito). E a história é sempre enfeitada e aumentada um ou mais pontos com fitas coloridas, purpurina e paetês, pois Ana é dotada de uma imaginação extremamente fértil e a realidade nua e crua nunca lhe basta.
Ana não entende o quanto pode ser inconveniente pois, por algum "trauma de infância" misterioso, é completamente alheia ao conceito de "privacidade" – inclusive a própria: os detalhes mais constrangedores de sua intimidade são frequentemente narrados a estranhos, com a mesma tranquilidade de quem transmite a previsão do tempo ou dita uma receita de bolo. Isso, é claro, lhe causa problemas nos contatos sociais, mas ela nunca dá de si.
Ana se considera uma expert. Sempre tem uma (ou até mais de uma que, muitas vezes, se contradizem) opinião "abalizada" a dar sobre qualquer assunto em pauta – seja ele educação física, metafísica ou física quântica. Sua entrada em qualquer debate acaba causando nos demais participantes uma sensação equivalente à de dar murros numa parede de concreto: o resultado são sempre os nós dos dedos machucados, uma parede totalmente intacta (embora manchada de sangue) e os ouvidos doloridos. Porque Ana, além de tudo, também faaaaaala pelos cotovelos. Ela adora monólogos!
Ana acredita que tornar-se "íntima" de alguém lhe confere o direito automático e intransferível de dizer praticamente qualquer coisa que lhe passe pela cabeça, sempre que lhe dê na "telha". Resumindo: falta-lhe, nas veias, o bom e velho "simancol" que confere aos demais seres humanos (ou, ao menos, àqueles dotados de alguma finesse) a capacidade de perceber quando é uma boa hora para manter o "bico" fechado.
Ana é competitiva, principalmente com pessoas que admira. Não se trata de inveja, mas da vontade de demonstrar a si mesma (que, no fundo, se acha um tanto medíocre) que pode ser "mais" do que os outros. Vive alardeando como seu namorado é mais bonito e inteligente, seu apartamento mais bem decorado, seu estilista/maquiador/cabeleireiro mais "IN". Na maioria das vezes, é tudo fantasia, mas perceber isso não torna o incômodo menor para quem está à sua volta.
Ana é "arroz-de-festa", no mau sentido: sair com ela, invariavelmente, significa acabar assistindo a um show (e não dos melhores) – ela sempre fala e gargalha alto demais, faz exigências totalmente esdrúxulas aos garçons e outros servidores que a atendem e seu comportamento é de um histrionismo capaz de envergonhar os mais "descolados". Quando ela está presente, o vácuo criado ao seu redor suga o ar do ambiente, sufocando o élan de qualquer outra pessoa presente.
Abra algum espaço para Ana em seu convívio e você jamais saberá novamente o que é ter paz. Viverá pisando em ovos toda vez que encontrá-la; medirá cada palavra pelo receio de dizer alguma coisa que possa vir a lhe causar problemas caso seja passada adiante a alguém impróprio e, queira ou não, terá que aturar uma eternidade de intromissões e "pitacos" dos mais absurdos, seja nas questões mais triviais ou nos momentos mais dramáticos.
Ana têm outros defeitos – uma lista interminável deles. E a triste realidade é que ela é um cruzamento entre carrapato, sanguessuga e vampiro que não desgrudará de sua "presa" (você) antes de lhe absorver todo o "fluido vital".
Diante dessa descrição, qualquer ser humano de bom senso fugiria de Ana como o Diabo da Cruz. Uma pessoa como essa é, obviamente, de convivência MUITO difícil e exige um exercício de capacidade de adaptação e tolerância de que nem todos são capazes.
No entanto, Ana não é má gente. Tem um coração enorme, abnegado e amoroso e é capaz de oferecer seu ombro a um amigo em apuros sem jamais lhe pedir nada em troca. Quando as coisas ficam difíceis e TODOS desaparecem, ela é quem permanece ao seu lado, toma conta de você e se preocupa com o seu bem-estar. Ela nunca questiona a validade ou a verdade do que você está sentindo e até fica magoada quando, para não preocupá-la, você procura esconder o que realmente o está entristecendo.
Ana, no final das contas, é uma AMIGA de verdade.
Creio que toda pessoa deveria ter pelo menos uma Ana em sua vida, mesmo sabendo que, eventualmente, ela lhe causará ímpetos assassinos. Porque, apesar dos pesares, as Anas nunca são pessoas monótonas ou desinteressantes; são companheiras constantes e fiéis e sempre têm muito a nos ensinar, se nos dispusermos a ter paciência e mantivermos nossos corações e almas abertos.
Elas são, mais do que tudo, prova incontestável de que, inobstante o tamanho dos nossos defeitos, eles SEMPRE podem ser compensados por nossas qualidades.
Vamos admitir: as Anas nos tornam pessoas melhores. Que seria de nós sem elas?
Até porque cada um de nós tem um pouquinho de Ana dentro de si.
Dedico este texto às "minhas" Anas. Eu amo todas vocês!
* Sim, Ana é persona fictícia e a descrição é exagerada – mas foi baseada em gente de verdade... E um "tantinho" em mim mesma, ma non troppo.