Minha memória e eu nunca fomos grandes amigas. Tenho tanta dificuldade em guardar fatos e datas que costumo afirmar, galhofeiramente, "ter muita RAM mas pouquíssimo espaço em disco". Alguns amigos muito íntimos – e, por isso mesmo, bastante atrevidos – até me cunharam o singelo apelido "Peixinho Dourado", porque minha capacidade de retenção de informações, supostamente, seria de apenas 3 segundos*.
* Na verdade, a idéia de os peixes teriam apenas memória de curto prazo não passa de uma lenda urbana que já foi desmistificada por alguns estudos. A minha é ruim mesmo.
Como a passagem inexorável do tempo não melhora a qualidade do cérebro de ninguém, essa minha tendência ao esquecimento vem-se tornando uma preocupação cada vez mais presente para mim. Imagino-me daqui a uns 30 anos: uma velhinha de cabelos totalmente brancos (ou azuis – pode ser que, até lá, eu "despiroque" de vez), meio encurvadinha, banguela, completamente gagá e capaz de esquecer-se até do mingau que acabou de comer*. Compadeço-me, por antecipação, do pobre enfermeiro que for cuidar de mim...
* Não sei quanto ao leitor, mas a idéia de tomar o mesmo mingau várias vezes, por puro esquecimento, me causa profundo horror.
A verdade é que sempre sinto uma pontada de inveja "branca" quando ouço alguém relatar acontecimentos da infância ou adolescência como se não tivessem ocorrido há mais de uma semana. Porque, para mim, as recordações do passado distante são tremendamente enevoadas, difusas e quase sempre se apresentam em "nacos" de memória esparsa, como se fossem partes de um quebra-cabeças totalmente desmontado do qual metade das peças já se perdeu e a outra metade desbotou.
Meu passado não é um filme, mas vários traillers.
De certas pessoas com as quais convivi nos meus primeiros anos de vida, como meus avós maternos, guardo lembranças extremamente turvas. Algumas, estranhamente, são tão somente sensoriais: mesmo depois de tantos anos, ainda consigo evocar o sabor divino dos suspiros feitos pela minha avó – eram pequenas gotas açucaradas, muito crocantes por fora e quase cruas por dentro, que derretiam quase instantaneamente ao serem colocadas sobre a língua. Nunca mais comi um suspiro assim!
Lembro-me com carinho, também, de uma tia-avó velhinha, pessoa cheia de ternura que tentou me ensinar a fazer tricô e crochê diversas vezes (eu, claro, não aprendi nadica). De tudo que vivemos juntas, consigo visualizar apenas uma imagem sua, sentada em um sofá no apartamento que me foi deixado de herança e, agora, é meu lar: uma velhinha pequenina, já muito idosa, tricotando cachecóis, casaquinhos de bebê e toalhas de mesa numa rapidez impressionante para seus bracinhos franzinos.
O que me deixa triste, porém, não é propriamente a escassez de memórias, mas saber que uma boa parte das que me restam certamente foi contaminada pela minha feroz imaginação que, ávida para preencher os vácuos de informação, me levou a registrar impressões totalmente equivocadas sobre certos fatos e pessoas.
De uma certa tia muito presente durante minha infância, por exemplo, só guardo um memento: sempre que ela nos visitava, eu invariavelmente ganhava um belo par de beliscões carinhosos em ambas as bochechas – um "singelo" cumprimento que eu, obviamente, abominava com todas as forças do meu pequeno ser mas suportava, mui estoicamente, por ser uma boa menina*. Essa tia faleceu de câncer, quando eu era ainda bem novinha, e a marca mais vívida que tenho da ocasião é do alívio que senti quando percebi que nunca mais levaria um beliscão da "bruxa". De certo que é horrível pensar algo assim de um parente que acabou de morrer, ainda mais de causa tão drástica. E minha aflição torna-se ainda maior quando ouço, de meus familiares, que ela era pessoa boníssima e gostava imensamente de mim!
* E, também, porque ouvi um tremendo sermão da minha mãe, na única vez em que tentei falar sobre o assunto.
Mas, meus neurônios defeituosos de fábrica me pregam peças e precisei desenvolver mecanismos para lidar com isso. Levei bastante tempo, mas acabei percebendo que importante, mesmo, não é a simples habilidade mecânica de registrar informações. Afinal, as filmadoras, gravadores e máquinas fotográficas também o fazem, com muito mais proficiência.
O que torna a passagem de alguém por este mundo realmente relevante é saber viver plenamente o presente, aprender com ele e carregar a sabedoria adquirida não somente no cérebro, mas também no coração. E, quanto a isto, estou tranquila – mesmo que, no futuro, acabe tomando o mesmo mingau algumas vezes.
Embalagem de Bolos de Aniversário: Dicas
Há 4 meses
6 comentários:
Sim, adiciono a isso o que você falou sobre suas lembranças. No caso elas foram seletivas, registrando sensações que foram importantes na sua vida.
E BTW, eu ADORO mingau. Se for para tomar todo dia o mesmo, que seja de aveia! rsrsrs
bjs. Amei o post... senti até umas lagrimihas querendo chegar...
O que torna a passagem de alguém por este mundo realmente relevante é
saber viver plenamente o presente, aprender com ele e carregar a
sabedoria adquirida não somente no cérebro, mas também no coração.
Não podia concordar mais com você! E infelizmente a minha memória
também está cada dia pior (nunca foi lá essas coisas mas depois que
tive meu filho, peloamordeDeus). Meu maior medo é Alzheimer, sério! :-0
Bethinha, meu neurologista disse que pessoas que mantém a mente sempre ativa são "más candidatas" ao Alzheimer. Acho que podemos nos incluir nessa categoria! Rsrsrsrs ;-)
a minha memória para fatos passados sempre foi maravilhosa... mas isso tem o lado bom e ruim, pois guardo igualmente as lembranças boas e as ruins...
Ferret!
Ensaiei vir aqui algumas vezes mas o cotidiano prá lá de corrido nunca deixava.
Já tentou caprichar na beterraba? Funciona que é uma maravilha!
Beijos, carioca.
May.
Ah, e concordo com quem falou acima sobre sua mamoria ser seletiva! Esteja certa disso, deste grande privilegio. Lembrar volta e meia do que a gente nao gosta realmente eh um saco!
Mais bjs.
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